terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Calvário de um Sacerdote



Procurado por um amigo para oferecer uma escuta imparcial e uma palavra solidária a um padre que anda se questionando sobre sua vocação, resolvi presenciar mais uma missa deste sacerdote, antes de me apresentar a ele.
Comunidade vibrante, instalações modernas e confortáveis, músicas selecionadas e bem executadas, leitores bem treinados, uma homilia brilhante, tudo, liturgicamente, exemplar. Fiquei me perguntando, logo após a sua fala, o porque daquele questionamento interior em um sacerdote vivendo um ambiente tão acolhedor à sua pessoa.
Em sua homilia ele trouxe uma belíssima e oportuna reflexão sobre oração e individualismo. De forma clara e bem direta fez uma "catequese" sobre a importância de coletivizarmos nossos pedidos, procurando não intervir ao Pai, de maneira egoísta. E citou exemplos: "Se você vai pedir por sua mãe, que está doente, peça por ela e por todos aqueles que padecem da mesma doença".
Comecei a entender o motivo dos questionamentos vocacionais do tal padre quando, na oração dos fiéis, ao abrir espaço para orações espontâneas, ele escutou mais de uma dezena de orações completamente individualizadas, direcionadas ao parente doente, ao amigo falecido, indo de encontro a tudo o que havia sido pregado há poucos instantes pelo pobre sacerdote.
Fiquei com pena, tenho que confessar.
Imaginei a ducha de água fria que ele recebeu. Pensei no tempo que ele dedicou a preparar aquela homilia. Pensei na forma equilibrada e amiga com a qual se dirigiu à comunidade e quase pude ler seus pensamentos, me associando a eles: "Será que ninguém escutou? Será que ninguém entendeu nada do que foi dito?"
Sei que esta paciência de semear é inerente à missão de um pastor. Tenho certeza de que não é só isto que o faz pensar em desistir.
Mas me coloquei naquele momento em seu lugar...
Numa igreja que, institucionalmente, tem se afundado em incoerentes hábitos e hipócritas manifestações, nas quais o poder, o status, o dinheiro, cada vez têm mais importância e a essência cristã menos.
Numa igreja que valoriza crescentemente a forma e não o conteúdo.
Numa igreja que tem se mostrado parcial, corporativa, inconsistente, amoral.
Nesta igreja contemporânea, que deve fazer muitos sacerdotes questionarem a própria vocação, a gota d'água pode ser esta: sentir-se semeando no deserto ou na rocha. Deve, realmente, ser duro! Muito duro...
Após a missa, apenas me apresentei e ofereci um abraço.
Tentei ser uma mão estendida no deserto daquele sacerdote. Ser um Cirineu no seu calvário. Dividir um pouco a sua cruz...
Ao sair daquela sacristia, focado como estava naquela situação, tive a tentação de rezar por ele.
Um sopro divino me lembrou de suas palavras a tempo e acabei fazendo uma oração por aquele e todos os outros sacerdotes que estão passando por isso...
Que Deus tenha piedade de suas angústias, suas dores, suas dúvidas. E ilumine o caminho de cada um deles, amém!

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